A Lei da Biodiversidade,
sancionada em maio, prevê que comunidades tradicionais, povos indígenas
e agricultores familiares possam negar o acesso de pesquisadores e
representantes de indústrias ao conhecimento e a elementos da
biodiversidade brasileira. De acordo com o gerente de projetos do
Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente,
Henry Novion, o consentimento prévio informado será o instrumento usado
para condicionar os acessos e no documento constarão todas as regras a
serem seguidas pelos setores acadêmicos e produtivos.
“A lei reconhece quem vai dizer como determinado conhecimento vai ser
usado e não é o governo, não é universidade, não é a empresa. A lei diz
que quem vai dizer como, segundo usos, costumes e tradições, o
conhecimento pode ou não ser usado é o povo que detém aquele
conhecimento. É o povo que dá o consentimento”, explicou Novion.
O gerente acrescentou que, na regulamentação da lei, estará previsto o
responsável legal por dar esse consentimento, se será uma associação
local, por exemplo, ou uma organização ou federação que represente as
comunidades e povos. A regulamentação tem prazo de 180 dias para ficar
pronta, a partir da sanção da lei.
Manoel da Silva Cunha é extrativista na Reserva Extrativista do Médio
Juruá e diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas e, de
acordo com ele, a comunidade já discute alguns conhecimentos que não
tem interesse em compartilhar com a indústria e a academia. “Temos
alguns tipos de uso de plantas, que têm rituais que o poder não é só
nosso, foi o espírito que ensinou e não temos interesse de repassar. Mas
têm muitos conhecimentos e muito patrimônio genético que estão aí para
ter uma função social e ambiental e não estão tendo. A pesquisa e as
empresas precisam chegar e a comunidade precisa abrir esse conhecimento.
Eu não tenho dúvida de que a cura do câncer está aí, que a cura da aids
está aí, só precisa pesquisar.”
Para ele, entretanto, as comunidades tradicionais e povos indígenas
precisam ter autonomia e soberania sobre esse conhecimento. “Se ela [a
comunidade] não quer abrir, que não sofra nenhum tipo de represália ou
pressão nenhuma, que sejamos soberanos nessa decisão. Que não seja o
governo que diga o que a gente abre ou não, que a lei não dê esse
privilégio às empresas.”
O procurador da República no Distrito Federal Anselmo Henrique
Cordeiro Lopes, representante do Ministério Público no Conselho de
Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), destaca que a regulamentação da lei deve
garantir a paridade na composição do conselho, a conformação do comitê
gestor do Fundo de Repartição de Benefícios. Entretanto, segundo ele, o
conceito de consentimento prévio informado deve ser muito bem apropriado
pelos povos e comunidades tradicionais.
“Ele [o consentimento] é que condicionará o acesso ao patrimônio
genético e ao conhecimento tradicional associado, dando aval para
pesquisa, desenvolvimento tecnológico e exploração comercial e
industrial. Se as comunidades não souberem o que é o consentimento
prévio informado, não saberão qual o seu principal direito, direito de
ser consultado e poder de dizer sim ou não, de forma bem esclarecida e
que seja o melhor para a comunidade”, disse Lopes.
O índio Alberto Terena, da Aldeia Buriti, de Mato Grosso do Sul,
explica que será um processo muito complexo para seu povo dividir seus
conhecimentos de forma comercial, mas espera que possam assegurar o
direito de negar esse acesso. “Há algumas coisas para nós que não se
mede em valor. Qualquer medicamento não envolve só o remédio em si, mas
toda uma espiritualidade de um povo, uma crença. A lei, às vezes, não
vem pra dar uma segurança, ela vem pra ser infringida, burlada. E, a
partir de agora, vamos lidar com influências muito poderosas, da
indústria de cosméticos e farmacêutica. Queremos, com a regulamentação,
que aquilo venha em nosso benefício, mas percebemos que vamos entrar na
briga do mercado.”
Segundo o diretor do Departamento de Patrimônio Genético do
Ministério do Meio Ambiente, Rafael Marques, o estado deve trabalhar na
fiscalização para que o consentimento seja respeitado. “A legislação não
foi feita pautada pelas empresas, o direito deles [dos povos e
comunidades] está assegurado, de ser consultado antes que o acesso seja
feito.”
Representantes de povos e comunidades tradicionais e povos indígenas estiveram reunidos, na última semana, em uma oficina de capacitação
para a regulamentação da Lei da Biodiversidade, em Rio Branco, no Acre.
O próximo dos seis encontros regionais ocorre esta semana em Belém, no
Pará, de 2 a 4 de setembro, e uma oficina nacional está programada para
em Brasília, em outubro. Os eventos são organizados por um grupo de
trabalho da Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e,
conduzidos pelo Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do
Meio Ambiente.
Desde o dia 12 de junho está aberta, na página do ministério,
a consulta pública sobre a regulamentação da lei e, a partir da
primeira semana de setembro até 16 de outubro, a minuta do texto do
decreto será inserida para críticas e sugestões.
Fonte: Meio Ambiente Rio